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Published On:terça-feira, 26 de junho de 2012
Postado Por Unknown

Arcebispo Desmond Tutu diz que Deus não é monopólio da fé cristã

O arcebispo Tutu, cuja trajetória é respeitada mundialmente pela defesa intransigente dos direitos humanos, em entrevista exclusiva ao Cristianismo Hoje, afirma que Deus não é cristão.

Não é muito comum um cristão relativizar sua crença a ponto de considerar outras religiões em pé de igualdade com ela. Menos ainda quando esse cristão é um líder respeitado dentro e fora de sua Igreja, e faz do Evangelho de Jesus a bandeira de sua atuação, de esfera mundial. Contudo, o arcebispo sul-africano Desmond Tutu, aos 80 anos de idade, pode dizer o que pensa sem medo de patrulhamento. É que ele já sofreu ao longo da vida o seu quinhão de questionamentos e restrições e hoje é uma personalidade global situada no mesmo patamar mítico de ilustres pacifistas como o conterrâneo Nelson Mandela, o indiano Mahatma Gandhi ou o tibetano Dalai Lama. A visão lúcida que tem da própria fé é o escopo do livro Deus não é cristão e outras provocações, organizado pelo jornalista – e também sul-africano – John Allen. A obra chegou ao país pela Thomas Nelson Brasil com a presença do próprio arcebispo, por ocasião do 5º Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação, em São Paulo.

O livro reúne diversos mensagens e discursos do religioso, arcebispo jubilado da Cidade do Cabo, o mais alto posto da Igreja Anglicana na África do Sul. Nobel da Paz em 1984, Tutu teve papel de protagonista na luta contra o regime racista do appartheid em seu país, extinto no início da década de 1990 sob a execração mundial. Tolerância, solidariedade, igualdade entre os homens e o amor divino perpassam as páginas, nas quais Tutu se revela extremamente doce e contundente ao mesmo tempo – sem abrir mão da polêmica, inclusive em temas espinhosos para os crentes em geral, como homossexualismo e ecumenismo.

Antes de sua chegada ao Brasil, o arcebispo Desmond Tutu atendeu com exclusividade a reportagem de CRISTIANISMO HOJE através de seus editores no Brasil:

CRISTIANISMO HOJE – O senhor lança Deus não é cristão em um momento de grandes contestações à fé que ainda é majoritária no mundo. Não teme estar relativizando a própria crença e reduzindo-a ao lugar comum que diz que “todos os caminhos levam a Deus”?
DESMOND TUTU – O cristianismo é relativamente novo no cenário do mundo – tem pouco mais de 2 mil anos. Compare-o, por exemplo, ao hinduísmo, ao budismo e ao judaísmo. Quem Deus teria sido antes do advento do cristianismo? E qual teria sido o lugar do judaísmo, uma vez que o cristianismo aceita em grande parte o que está contido na Bíblia hebraica como verdadeiro? Nenhuma religião possui toda verdade sobre Deus. Ele é infinito, e toda religião é, em medida insignificante, uma construção humana, de modo que não devemos nos envergonhar de aprender com outros. Nós seres humanos somos finitos e nenhum de nós conseguirá saber tudo sobre Deus, que é a fonte de toda bondade e de toda sabedoria. Podemos verdadeiramente dizer que somente os cristãos são sábios, inteligentes, santos ou bons? Então, o que falar de Mahatma Gandhi, Dalai Lama, Albert Einstein etc? Ora, Deus nos ama a todos. Cada um de nós é preciso a seus olhos, e cada religião tem percepções valiosas e válidas acerca do mistério de quem Deus é. Os cristãos não possuem o monopólio de nenhuma virtude. Esta é uma das razões pelas quais afirmamos que Deus não é cristão! Todos os seus filhos, sejam eles cristãos ou não, estão qualificados para receberem as muitas virtudes.

O senhor tem sido conhecido como apóstolo da tolerância e da reconciliação. Muitas das causas pelas quais tem se batido, contudo, continuam sem solução. Sente-se frustrado?
É claro que me sinto frustrado. Quando os opressores perceberão que estão sempre ao lado dos perdedores porque este é um universo moral? Por que eles causam tanto sofrimento quando, ao final, serão derrotados? Porém, não é uma frustração que me fará desistir da luta. Rapaz! Eu eu estou do lado vencedor!

A Igreja Anglicana tem sofrido sérios questionamentos ao redor do mundo por conta da ordenação de religiosos homossexuais, que já provocou sérios rachas. Afinal, homossexualidade é pecado? E, neste caso, por que a Igreja tem falhado em encontrar o ponto de equilíbrio entre a denúncia bíblica e o amor e respeito à pessoa do homossexual?
O amor jamais será pecado. Se duas pessoas se amam, isso é algo tremendo – trata-se de uma revelação do amor divino. Há muitas coisas que agora aceitamos e que a Bíblia declara serem erradas. Paulo parece ter aceitado a escravidão e disse que as mulheres não deveriam falar na igreja e que deveriam sempre ter suas cabeças cobertas. E nós o temos rejeitado tais determinações com veemência. A Bíblia registra que Jesus condenou firmemente o divórcio. No entanto, muitas igrejas permitem que seus membros se divorciem e se casem novamente.

Como a Igreja Cristã pode oferecer respostas cristãs convincentes em meio a uma sociedade como a ocidental, cada vez mais relativista e avessa a dogmas?
Eu me entristeço que, diante de tantas coisas erradas em nosso mundo tais como a pobreza, a doença, a fome, a corrupção, os distúrbios e as guerras, nós na Igreja estejamos concentrados na questão da sexualidade humana. O Senhor da Igreja deve estar muito triste. Ele que não veio para julgar e sim para salvar o mundo. Muitas pessoas se importam com as coisas do Espírito. Muitos oram, meditam, tentam ser compassivas e sensíveis; porém, são desencorajadas pela Igreja organizada, que gasta uma energia enorme, na maioria das vezes, com coisas que têm muito pouco a ver com o Reino de Deus. Olhem para as manifestações contra a guerra e a injustiça em muitas partes do mundo. Muitos desses manifestantes se sentem desanimados quando lembram que a Igreja está demasiadamente voltada para si mesma.

Lembrando que foram cristãos brancos que instituíram o appartheid, que ações poderiam ser encetadas para a conscientização efetiva dos cristãos acerca da intolerância?
Um perseguidor muçulmano é tão ruim quanto um perseguidor judeu, cristão ou de qualquer outra religião. Pessoas de todas as crenças são boas ou más. Minha esperança é que os adeptos de todas elas pertençam eles a uma comunidade multirreligiosa ou que os seguidores de uma única fé sejam compelidos por sua crença a se opor ao mal e a encorajar o bem.

A Igreja da África é das que mais crescem no mundo. Já se pode falar numa teologia cristã africana?
Desde que os povos africanos compreenderam que não tinham de ser “circuncidados” e se tornarem como os cristãos ocidentais, e sim, que poderiam e deveriam achegar-se a Deus como são. É por isso que o número de convertidos se multiplicou na África; hoje eles podem dançar sem constrangimento, podem tocar seus tambores. Há uma teologia africana vibrante, assim como na América Latina houve uma teologia da libertação viva e que tem nos influenciado.

O anglicanismo, assim como outras confissões históricas, professam o ecumenismo. No entanto, várias das crenças envolvidas no diálogo ecumênico têm diferenças fundamentais. Como fechar essa conta? 
O ecumenismo não é apenas possível. Ele está acontecendo. Há iniciativas ecumênicas expressivas. Na África, temos a Conferência Toda a África de Igrejas, com base em Nairóbi [Quênia]. Cristãos trabalham juntos em prol da educação teológica, opondo-se à injustiça, encorajando a ecologia – e não apenas as denominações cristãs estão cooperando de maneira efetiva.

Fonte: Site da revista Cristianismo Hoje

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